Artigo de opinião

Ignorância incendiária: o ataque ao templo maçônico em Fortaleza

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Na madrugada de 26 de junho de 2025, um templo maçônico foi invadido e incendiado no bairro Vila União, em Fortaleza. O ato, cometido com coquetéis molotov, deixou um rastro de destruição: teto queimado, móveis carbonizados, documentos históricos reduzidos a cinzas. Mas o fogo não destruiu apenas madeira e papel. Ele revelou — mais uma vez — o quanto a ignorância pode se transformar em combustível para crimes que usam o nome de Deus como desculpa.

Embora a maçonaria sequer seja uma religião, o ataque carrega todos os sinais da intolerância religiosa. Porque, no fundo, não é só sobre o que é ou não é religião — é sobre rejeitar o que é diferente, sobre impor uma visão única do divino, sobre hostilizar qualquer espaço onde o pensamento não é domesticado. O cartaz deixado pelos agressores dizia: “Eu sou Deus, grande Rei entre todos os falsos”. A frase escancara o delírio da superioridade espiritual — e o perigo que ele representa.

O que parece falsidade: Uma instituição que, há séculos, prega valores como liberdade, igualdade e fraternidade? Ou aqueles que falam em nome do Deus cristão para justificar violência, destruição e ódio? É contraditório condenar como “falso” justamente quem não nega Deus — apenas se recusa a enquadrá-lo em uma só fórmula.

A maçonaria, embora constantemente alvo de suspeitas, não é uma religião. Não é uma seita, não realiza cultos, não prega dogmas. Trata-se de uma organização iniciática e filosófica que busca a elevação do pensamento e da moral por meio de ritos simbólicos e da fraternidade. Seus membros podem ser cristãos, judeus, muçulmanos, espíritas… O requisito é crer em um princípio criador — chamado de “Grande Arquiteto do Universo” — Em outras palavras: Deus. Assim como ter compromisso com valores como liberdade, igualdade e solidariedade. 

A confusão, no entanto, persiste. Por isso, conversei com o jornalista e maçom José Luis Menezes, que explicou: “É pura ignorância. As pessoas que fazem isso não conhecem nada sobre a Ordem Maçônica.”

A resposta é simples, mas revela muito. Em tempos de desinformação em massa, instituições que prezam pela discrição acabam se tornando alvos fáceis. E o que é discreto, simbólico ou antigo demais, logo vira suspeito. O diferente precisa se explicar. O símbolo vira ameaça.

O templo atacado em Fortaleza era sede de uma loja do Grande Oriente do Ceará desde 1973. Funcionava há mais de cinquenta anos, abrigando encontros regulares, ações de filantropia, cerimônias internas e projetos sociais. Ali, documentos históricos importantes estavam guardados. Tudo isso virou cinzas. O prejuízo estimado gira em torno de R$ 300 mil — mas o maior dano não é financeiro. É simbólico.

José Luis expressou o sentimento da comunidade: “Ficamos estarrecidos. Surpresos. A maçonaria já foi perseguida em outras épocas — como no reinado de Francisco I da França — mas algo assim, hoje em dia, parecia inimaginável.”

Não é só um templo queimado. É a repetição de uma história antiga: a da perseguição ao livre pensamento. O que aconteceu em Fortaleza precisa ser lido como um alerta. Ataques como esse, ainda que isolados em ação, são sintomas de um cenário maior. Um cenário em que a liberdade de pensamento e “religiosa” começa a ser relativizada por discursos de “defesa da fé”.

O mais grave é que há quem ache justificável esse tipo de agressão — como se proteger a própria crença implicasse atacar a do outro. O nome disso não é zelo espiritual. É crime previsto no Código Penal, classificado como intolerância religiosa com motivação ideológica. Não é vandalismo. É terrorismo simbólico.

A reação da maçonaria, por outro lado, tem sido pautada pelo princípio da fraternidade. José Luis nos contou que já há mobilização nacional e internacional para apoiar a loja afetada: “A maçonaria é universal. Estamos espalhados por todos os recantos da Terra. As potências maçônicas já se articulam para prestar apoio.”

Mas não é apenas uma reconstrução física que está em curso. É também uma afirmação simbólica de que a liberdade de crença é um valor inegociável. E mais do que isso: é um exercício de fé no que o ser humano pode ser, apesar de tudo.

“Nós trabalhamos as virtudes. Uma das principais é o amor fraternal”, diz José Luis. “Perdoamos a ignorância. Queremos apenas tornar a humanidade feliz — pelo amor, pela tolerância, pelo respeito à crença de cada um. Isso tudo vai passar.”

É aqui que se percebe a verdadeira força espiritual: não no ataque, mas na resposta. A fala ecoa o que o próprio Cristo ensinou — e que os agressores, ironicamente, ignoram: amar o próximo, respeitar, dialogar, conviver. É contraditório dizer que “o Deus cristão é o único verdadeiro” enquanto se destrói um espaço onde ninguém o nega, apenas se permite entendê-lo de outras formas. O Deus usado para justificar destruição não é Cristão — é um espelho distorcido da própria arrogância humana.

E talvez o que mais incomode os intolerantes nem seja o templo em si. O que incomoda é o que ele representa: a liberdade de pensar. O direito de questionar. A possibilidade de conviver com quem não pensa igual. O espaço onde a dúvida é bem-vinda, e o dogma não é imposto. Isso, para muitos, é insuportável. Porque exige maturidade. Exige convivência. Exige escuta.

É simbólico — e profundamente trágico — que o fogo tenha começado em um lugar que ensina a pensar. Mas que esse incêndio não sirva apenas para fazer fumaça nos noticiários. Que ele acenda uma luz incômoda, mas urgente:

Até quando o fanatismo vai ter permissão para se esconder atrás do nome de Deus?

 

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