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Bolsonaro: entre o leito e o banco dos réus

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Por: Ary Costa
Este artigo reflete a opinião do autor e não representa, necessariamente, a posição institucional da empresa.

No momento em que seu nome ocupa o centro de diversas ações judiciais, Jair Bolsonaro aparece novamente hospitalizado. Ele passou por uma cirurgia de correção de hérnia abdominal que durou cerca de 12 horas e, agora, permanece em observação na UTI, segundo informações da equipe médica. A imagem do ex-presidente deitado em um leito, visivelmente fragilizado, mobiliza reações intensas — de solidariedade, ironia e questionamentos. Para muitos, a dúvida que paira no ar é: estaria a hospitalização ocorrendo em um momento de crescente pressão judicial, o que gera reações diversas sobre a coincidência?

Nas redes sociais, a repercussão da internação expõe o clima político atual. Não se trata de comentários isolados, mas de uma enxurrada de manifestações — muitas delas críticas. A frase “Doença se trata, crime se paga” foi amplamente compartilhada, ao lado de uma fala que o próprio Bolsonaro deu durante a pandemia: “E daí? Não sou coveiro”. Naquele contexto, o país vivia um dos períodos mais sombrios da sua história recente. Hospitais lotados, luto coletivo e milhares de mortes diárias marcaram uma fase ainda muito presente na memória nacional. A forma como o então presidente lidou com esse momento deixou feridas abertas — e ajuda a explicar parte da reação atual.

Os olhares se intensificam no ex-presidente à medida que dois cenários se sobrepõem: o físico e o jurídico. Enquanto a saúde dá sinais de desgaste, a Justiça avança, com novas denúncias e investigações. Surge, então, um terceiro elemento — o político — que conecta esses acontecimentos e lança luz sobre o esgotamento de uma narrativa que, por muito tempo, sustentou o ex-presidente. O fato de Bolsonaro estar na UTI após uma longa cirurgia, neste exato momento em que seu nome volta a figurar com destaque em ações penais, adiciona mais um capítulo à complexa interseção entre corpo, poder e julgamento público.


Como a pandemia moldou o discurso que levou ao 8 de janeiro

Analistas apontam que a postura de Bolsonaro durante a pandemia foi um ponto de virada. Em vez de unir o país diante da crise, optou por minimizar a gravidade do vírus, criticar vacinas e adotar um discurso de enfrentamento institucional. Essa abordagem acabou transformando a pandemia em um campo de disputa ideológica.

Evocando Deus, liberdade e patriotismo, ele construiu uma retórica de resistência que mobilizou seguidores. O que poderia ter sido um momento de união nacional se tornou combustível para a radicalização política. Esse ambiente de confronto pavimentou o caminho para o que viria a ocorrer em 8 de janeiro de 2023, com a invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília. A lógica da desconfiança institucional já estava em curso.


Da desinformação sanitária à tentativa de ruptura institucional

Durante a pandemia, Bolsonaro lançou dúvidas sobre a ciência, as vacinas, o sistema eleitoral e o próprio Judiciário. Em meio à crise, sugeriu que governadores eram autoritários e que as medidas de isolamento destruiriam a economia. Essa construção narrativa criou um inimigo comum e fortaleceu sua imagem junto à base mais fiel.

Após a derrota nas urnas em 2022, a retórica se intensificou: vieram ataques ao processo eleitoral, suspeitas infundadas sobre as urnas e um sentimento de traição alimentado entre apoiadores. Essa tensão acumulada resultou nos atos antidemocráticos de janeiro de 2023 — eventos que já resultaram em ações penais contra diversos envolvidos, incluindo o ex-presidente.

Hoje, Bolsonaro é réu por tentativa de golpe de Estado e uso indevido da estrutura presidencial. Anteriormente, foi investigado por inserção de dados falsos de vacinação no sistema do SUS, mas o inquérito foi arquivado por falta de provas. São casos distintos, mas que orbitam um mesmo eixo: o uso político da desinformação como ferramenta.


Do leito ao tribunal: a dúvida que não cala

A hospitalização do ex-presidente acontece justamente em um momento de intensificação das investigações. Para alguns, é apenas coincidência. Para outros, há simbolismo. Seria o cansaço físico reflexo da pressão judicial? Ou uma coincidência que reforça narrativas já estabelecidas? O fato de ele ter passado por uma cirurgia longa e delicada nesta mesma fase adiciona mais complexidade à questão.

Não se trata de negar a gravidade de sua condição de saúde, mas de observar que episódios semelhantes ocorreram em outros momentos críticos de sua trajetória. E, como em tudo na política, a repetição de padrões não passa despercebida.

Entre os que torcem por sua recuperação e os que aguardam por responsabilização, uma percepção começa a se formar: o tempo da blindagem política pode estar chegando ao fim. O julgamento definitivo caberá à Justiça. Mas a sociedade, ao que tudo indica, já começou a formar o seu veredito.

 

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